Show de espadas manterá a tradição no São João de Bonfim

Tropa de elite tá firme:

Falta uma semana para a fogueira de 24 de junho e os espadeiros já anseiam pelo “grande momento” de calçar botas, luvas de couro, botar capacete, máscara, calças e camisas bem fornidas. O bocapio é infalível para conduzir as espadas. Mas existem grupos que se fazem acompanhar de um carro.

Cada grupo quer “fazer mais bonito”: ter mais espadas, bocapios, trajes blindados, carros de apoio, turma grande e experiente, capaz de “esparramar” os adversários, se possível humilhá-los, pondo-os pra correr debaixo de línguas-de-fogo. O principal é abocanhar os presentes, sempre escondidos entre os ramos mais altos das árvores plantadas no meio da fogueira. “Quando o caule do pé de pau já foi torrado pelo fogo e a árvore começa a cair, os espadeiros nem esperam os galhos baterem no chão. Tem que ter coragem, porque só os músicos não são atacados. Eu gostava de sair num grupo do Alto da Maravilha, mas só tocando timbau e me queimei tantas vezes que, depois que casei desisti”, este foi o depoimento de Alan Pereira.

É essa a visão que nestes dias se apressa e reina na cabeça de todo e qualquer espadeiro. E ao mesmo tempo torna se na expectativa dos membros de dezenas de grupos que se preparam nessa véspera de São João, em Senhor do Bonfim. Quando o assunto é show de espadas, eles parecem ficar mais ansiosos e disparar uma adrenalina que toma conta do corpo. Não há distinção de idade ou de sexo.

Bonfim x Cruz – Zé Cabide, dono da tenda que mais fabrica fogos, principalmente espadas, em Senhor do Bonfim, falou da importância de se manter a tradição em nossa cidade. Olha: desde que me entendo como gente eu fabrico espadas. Foi assim com meu saudoso pai, Neném Fogueteiro. Com 13 anos de idade o meu velho começou a fabricar fogos de artifício, faleceu com 75 anos, mas me passou a sua arte de fabricação quando eu tinha ainda oito anos. “Hoje estou com 67 e tenho netos e bisnetos já seguindo os passos da tradição familiar”, Zé Cabide narra e continua: “Aqui na tenda Neném Fogueteiro eu fabrico espadas de diversos tipos, cores e tamanhos: corisco, espaditas, limalha, limalhita, cruz das almas e estamos retomando a produção de uma limalha especial, criada em 1983 pela nossa fábrica. Essa é uma espada de tamanho maior, que leva mais pólvora e tem mais brilho”. Exceto outros tipos de fogos, atualmente Zé Cabide está fabricando duas dúzias e meia de espadas por dia.

Organizadores de grupos confirmam que este ano Bonfim vai ter mais espada e espadeiro. O aposentado Dory Brandão, presidente de Os Ignorantes, um dos maiores grupos desses “guerreiros” em Bonfim deu números: “O nosso grupo tem 30 anos de estrada. Aqui em casa [na Praça Austricliano de Carvalho] nossa concentração é de 300 pessoas, entre amigos e turistas, mais só saímos com aproximadamente 100 espadeiros”, afirma Dory, que ainda contou um fato que considera inesquecível:

No peito – “O ex-prefeito José Leite pediu certa vez para que o nosso grupo defendesse a sua fogueira e acabou desistindo de última hora. Achou que a gente só defendia se tivesse uma grande quantidade de espadas, que ele não ia dar. Foi aí que, em resposta, o nosso grupo se deslocou da nossa sede e foi buscar a dita fogueira, que ficava na Rua Irecê, e pegamos todos os prêmios de valor”. O nome de cada prêmio estava escrito em pedacinhos de papel e colocados em caixinhas de fósforo. “A batalha foi cruel, mas nossa turma abriu caminho e faturou”. Dory afirma que a diferença de Bonfim pra Cruz das Almas é que “Bonfim tem dia e hora, coisa que Cruz das Almas não tem”, finalizou.

Caveirão e licor – O Niltão, também conhecido como Los meninos, tem tradição e confirmou: “É no bom sentido, mas Bonfim vai pegar fogo mesmo no show do dia 24. O nosso grupão da Gamboa, que reúne mais de 200 pessoas em frente à minha residência, lá na Engº Silva Lima, vai manter a tradição. Mas só vai batalhar com aproximadamente 80 pessoas. Temos lá a nossa mística: antes da saída, cada um com a sua farda de trabalho. Sempre fazemos nossas orações, recomendamos e damos dicas de como brincar sem prejudicar o próximo: ‘Olha pessoal, o show de espadas é apenas uma brincadeira’. Estamos equipados, temos o nosso caveirão (carro adaptado) que leva as espadas e temos o nosso carrinho, o mini-trio que sai tocando músicas de forró e levando também o nosso licor”.

Fogueira aonde? – Além das ruas do Pernambuquinho, da Costa Pinto, Umburanas e bairro da Gambôa, outras fogueiras são armadas por espadeiros em bairros e no centro por iniciativa de moradores. A família Xavier tem tradição. Por ser oficial, a fogueira mais comentada é a da Prefeitura. É dela que os fãs da “guerra” mais ambicionam retirar os presentes. Porém, acionado por moradores, o Ministério Público impediu o governo municipal de usar neste ano a pracinha ao lado da Prefeitura e esta ainda não pôde definir o local, porque nas ruas centrais os seus moradores rejeitam.

Vem, vamos embora – A fogueira oficial do Show de Espadas era outrora na Praça da Lagoa, depois que esta foi urbanizada o ponto ao lado da Prefeitura virou referência. Agora não há jeito a não ser ir para um local mais distante do centro da cidade. “Talvez a Rua Carrapichel, perto do pontilhão” admitem quase todas as fontes oficiais do Governo Municipal. Mas o exato local será publicada no site da prefeitura (www.senhordobonfim.ba.gov.br) a qualquer momento. Uma coisa é certa, “o show tem que continuar”, como diz João Bosco, no final do belíssimo samba O bêbado equilibrista:

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria um brilho de a...lu...guel
E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas, que sufoco louco
O bêbado com chapéu coco fazia irreverências mil
Prá noite do Bra...sil, meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu num rabo de foguete
Chora a nossa pátria mãe gentil
Choram marias e clarisses no solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente
A espe...rança dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se ma...chu...car
Azar, a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
tem que continuar.

Com que se faz uma espada: pólvora, bambu, barbante, carvão, enxofre, barro, papel laminado, álcool, pó de ferro e nitrato de potássio.

Matéria de Pedro Castor e Britto
Através de Pesquisa.